domingo, 27 de junho de 2010

Gaiola vazia


Estou sentada no alpendre, a manhã despertara envolta em cacimbo. O ar parecia espesso, quase líquido, ameaçava chover, mas o chuvisco se arrependeu.

" Esta terra já nem tem clima, minha filha" - assaltou meu avô meus pensatempos.

Atravessou o alpendre naquele seu jeito de andar, carregado de sofrimento. Só o pé esquerdo é que pisa com vontade, aquilo é peso de coração.

Senta-se do meu lado, dobrando as pernas como se dobrasse os séculos.
Finge que atenta numa qualquer gaivota. Também olho o pássaro: suas asas em floração rectificam a nossa frágil condição.

Peço-lhe para me contar estórias de Luar-do-chão e após um olhar que preenche todo o infinito o seu coração sorri e conta:

" Nas noites escuras, as grandes árvores das margens se desenraízam e caminham sobre as águas. Elas se banham como se fossem bichos de guelra. Regressam de madrugada e se reinstalam no devido chão."

"Avô! Fale-me sobre minha mãe..." - exclamei.

Eu sabia que a pergunta era desvalida. Meu avô não queria espalhar poeira em chão nunca pisado.

" Tento lembrar-me dela e não consigo. Outro dia, lembrei que tinha sempre pendurada na entrada da casa, sobre uma armação suspensa uma gaiola...mas sempre vazia." - recordei.

"Ainda se lembra?" - exclamou.

- "Lembro, mas estava sempre vazia"

- " Sua Mãe, esperava que, voluntário um pássaro viesse e se alojasse na jaula.
A gaiola metaforizava o seu destino, essa clausura onde ave nenhuma partira da sua solidão.
"
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Excertos de Um Rio chamado Tempo,uma Casa chamada Terra, Mia Couto.

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